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sexta-feira, 5 de abril de 2013

Lições de um retorno

Paul Krugman – 02/04/2013


O movimento do conservadorismo moderno, que transformou o Partido Republicano da moderada agremiação de Dwight Eisenhower na radical organização de direita que vemos hoje, surgiu, em grande parte, na Califórnia. O "Estado Dourado", ainda mais do que o sul dos Estados Unidos, criou o atual conservadorismo religioso. A Califórnia elegeu Ronald Reagan governador e foi onde a revolta fiscal de 1970 teve início. Mas isso foi naquela época. Nas décadas que se seguiram desde então, o estado da Califórnia tem ficado cada vez mais liberal, graças, em grande parte, à crescente parcela de seu eleitorado, constituída por não-brancos.

Como resultado – reinado do governador Arnold Schwarzenegger à parte –, a Califórnia tem se mostrado maciçamente democrata desde a década de 1990. E, desde que o equilíbrio político mudou, os conservadores declararam que o estado estava condenado. As especificidades deles continuam mudando, mas a moral é sempre a mesma: os liberais benfeitores estão destruindo a Califórnia.

Mais ou menos uma década atrás, o estado foi supostamente condenado por todos os seus ambientalistas. Veja você: à época, os "eco-chatos" provocaram a paralisação das usinas geradoras de energia elétrica, e o resultado foram apagões incapacitantes e a disparada dos preços da eletricidade. "O estado modelo do país", regozijou-se o jornal The Wall Street Journal, "está parecido com uma infeliz república de bananas". Mas uma coisa engraçada aconteceu durante a rota rumo ao colapso: descobriu-se que o principal culpado da crise da energia elétrica foi a desregulamentação, que abriu as portas para uma implacável manipulação do mercado. Quando a manipulação do mercado acabou, também acabaram os apagões.

Alguns anos mais tarde, os conservadores implacáveis descobriram outra frente de ataque. Dessa vez, eles diziam que os gastos demasiados dos liberais e os altos salários dos funcionários públicos estavam provocando o colapso. E, nos últimos anos, o estado da Califórnia tem, efetivamente, enfrentado uma severa crise fiscal. Quando a bolha norte-americana do setor imobiliário estourou, a Califórnia foi atingida de forma especialmente dura – e os efeitos combinados dessa queda nos preços dos imóveis e da crise econômica levaram a uma queda drástica da receita estadual. Mais uma vez, foram ouvidos pronunciamentos de contentamento com a desgraça iminente: a Califórnia, conforme diziam todos os especialistas, é a Grécia dos Estados Unidos.

Mais uma vez, no entanto, os relatos sobre a morte do estado se mostraram prematuros. O desemprego na Califórnia continua alto, mas está recuando – e prevê-se um superávit orçamentário para o estado. Esse superávit se deve, em parte, à implosão do Partido Republicano estadual, que finalmente deu aos democratas uma vantagem política bastante grande para que sejam aprovados alguns reajustes de impostos que se fazem desesperadamente necessários. Longe de estar administrando uma crise ao estilo grego, o governador Jerry Brown está proclamando seu retorno. Desnecessário dizer que os suspeitos de costume ainda estão prevendo mais desgraça – desta vez, devido aos próprios aumentos de impostos que vieram para solucionar o déficit orçamentário, que, segundo eles, vai fazer com que milionários e empresas deixem o estado. Bem, talvez – mas estudos sérios detectaram muito poucas evidências de que os aumentos de impostos levam uma grande quantidade de pessoas abastadas a deixar o estado ou que os impostos estaduais têm impacto significativo sobre o crescimento.

Então, o que podemos aprender com essa história de desgraça adiada? Eu não estou sugerindo que tudo na Califórnia esteja ótimo. O desemprego – especialmente o desemprego de longo prazo – continua muito alto. O crescimento econômico de longo prazo da Califórnia também desacelerou, principalmente porque a oferta limitada de terrenos disponíveis para a construção de nova edificações no estado significa uma alta nos preços dos imóveis residenciais, o que trará a era de rápido crescimento populacional ao fim. (Você sabia que região metropolitana de Los Angeles tem uma densidade populacional maior do que a área metropolitana de Nova York?) Por último, mas não menos importante, décadas de paralisia política têm degradado o sistema de ensino público do estado, que já foi maravilhoso. Portanto, há muitos problemas na Califórnia. A questão, no entanto, é que esses problemas não têm nada a ver com a história da morte Califórnia – provocada pelo liberalismo – que os críticos insistem em vender. A Califórnia não é um estado no qual os liberais se multiplicaram sem nenhum controle. A Califórnia é um estado onde a maioria liberal foi efetivamente prejudicada por uma minoria fanática e conservadora que, graças à legislação da supermaioria, tem sido capaz de obstruir a formulação de políticas eficazes.

E é aí que as coisas ficam realmente interessantes – pois a era da paralisia governamental parece estar chegando ao fim. Ao longo dos anos, os republicanos da Califórnia se inclinaram à direita à medida que o estado se inclinava à esquerda e, mesmo assim, os republicanos conseguiram manter sua relevância política graças a seu poder de obstrução. Mas agora a massa crítica do Partido Republicano californiano recuou para um nível inferior ao mínimo necessário e perdeu até mesmo seu poder de obstrução – o que deixou o governador Brown livre para aprovar uma agenda de aumentos de impostos e de gastos em infraestrutura que soa extremamente parecida com o tipo de coisa que a Califórnia costumava fazer antes da ascensão da direita radical.

E, se essa agenda for bem sucedida, ela terá implicações nacionais. Afinal de contas, a história política da Califórnia – que viu a radicalização do Partido Republicano fazer a agremiação se distanciar cada vez mais de um eleitorado cada dia mais diversificado e socialmente liberal e, por fim, provocou sua marginalização – está, sem dúvida, se desenvolvendo, com um certo atraso, no cenário nacional também.

Será que a Califórnia ainda é o lugar onde o futuro acontece primeiro? Fique atento às próximas notícias.

Professor de Princeton e colunista do New York Times desde 1999, Krugman venceu o prêmio Nobel de economia em 2008
Tradutor: Cláudia Gonçalves

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