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terça-feira, 2 de abril de 2013

Blues do "hot money"

Por Paul Krugman em 26/03/2013
Professor de Princeton e colunista do New York Times desde 1999, Krugman venceu o prêmio Nobel de economia em 2008


Seja qual for o resultado da crise no Chipre - sabemos que a coisa vai ser feia, só não sabemos que forma exatamente a coisa vai assumir -, uma coisa parece certa: no momento, e provavelmente durante os próximos anos, esse país-ilha terá que manter controles bastante draconianos sobre a circulação do capital que entra e sai de seu território.

Na verdade, é possível que esses controles já tenham sido postos em prática no momento em que você lê este artigo. E isso não é tudo: dependendo de como a situação se desenrolar, os controles cipriotas sobre a movimentação de capitais podem muito bem ter a bênção do FMI (Fundo Monetário Internacional), que já apoiou a adoção de tais controles na Islândia.

Essa é uma evolução bastante notável. Ela marcará o fim de uma era para o Chipre, que na realidade passou a última década se promovendo como um lugar no qual pessoas abastadas que desejavam evitar a cobrança de impostos ou qualquer tipo de escrutínio mais profundo sobre seus recursos podiam aplicar seu dinheiro com segurança sem que nenhuma pergunta fosse feita. Mas essa evolução também pode, pelo menos, marcar o começo do fim de algo muito maior: o fim de uma era durante a qual a movimentação irrestrita do capital era adotada como uma norma desejável em todo o mundo.

Mas nem sempre foi assim. Durante as primeiras décadas após a Segunda Guerra Mundial, as restrições sobre os fluxos de capitais que atravessavam as fronteiras nacionais eram amplamente tidas como boa política. Essas restrições eram mais ou menos universais nos países mais pobres e também estavam presentes na maioria dos países ricos. A Grã-Bretanha, por exemplo, até 1979 limitava os investimentos realizados por seus cidadãos no exterior. Outros países desenvolvidos mantiveram essas restrições durante a década de 1980. Mesmo os Estados Unidos restringiram, durante um breve período, as saídas de capital durante os anos 1960.

Com o passar do tempo, no entanto, essas restrições saíram de moda. Em certa medida, isso foi reflexo do fato de o controle de capital apresentar custos potenciais: ele impõe cargas extras de burocracia e torna as transações comerciais mais difíceis - além de as análises econômicas convencionais afirmarem que o controle provavelmente tem um impacto negativo sobre o crescimento (embora esse efeito seja difícil de ser mensurado). Mas o abandono das restrições também reflete a ascensão da ideologia do mercado livre: a suposição de que, se os mercados financeiros desejam movimentar dinheiro através das fronteiras dos países, deve haver uma boa razão para isso - e os burocratas não deveriam tentar impedir essa circulação.

Como resultado, os países que adotaram medidas para restringir os fluxos de capital - como a Malásia, que impôs o que equivalia a um toque de recolher para a fuga de capitais em 1998 - foram tratados quase como párias. Eles certamente seriam punidos por desafiar os deuses do mercado!

Mas a verdade, por mais dificuldade que os ideólogos tenham em aceitá-la, é que a movimentação irrestrita de capitais está se parecendo cada vez mais com uma experiência fracassada.

É difícil imaginar isso hoje em dia, mas durante mais de três décadas após a Segunda Guerra Mundial crises financeiras como aquelas às quais estamos nos familiarizando ultimamente quase nunca aconteciam. Desde 1980, no entanto, a lista tem sido impressionante: México, Brasil, Argentina e Chile em 1982. Suécia e Finlândia em 1991. México novamente em 1995. Tailândia, Malásia, Indonésia e Coreia em 1998. Argentina de novo em 2002. E, claro, a mais recente série de desastres: Islândia, Irlanda, Grécia, Portugal, Espanha, Itália, Chipre.

Qual é a característica comum detectada em todos esses episódios? A sabedoria convencional culpa prodigalidade fiscal – mas, de toda essa lista, a história da prodigalidade fiscal só se encaixa em um país: a Grécia. Os banqueiros fugitivos compõem uma história muito melhor. Eles desempenharam um papel em várias dessas crises, do Chile até a Suécia e o Chipre. Mas o melhor profeta das crises são as grandes entradas de capital estrangeiro: em quase todos os casos que acabei de mencionar - com exceção de alguns poucos -, o fundamento da crise foi uma corrida de investidores estrangeiros para o mercado de um determinado país, seguida por uma repentina fuga de capitais desse mesmo mercado.

É claro que eu não sou a primeira pessoa a perceber a correlação entre a libertação do capital global e a proliferação das crises financeiras. Dani Rodrik, de Harvard, começou a soar o alarme na década de 1990. Até recentemente, no entanto, era possível argumentar que o problema das crises estava restrito aos países mais pobres, que as economias mais ricas estavam, de alguma forma, imunes de serem atacadas e, em seguida, abandonadas pelos investidores globais. Esse era um pensamento reconfortante - mas as agruras vividas pela Europa demonstram que esse pensamento era uma ilusão.

E não foi apenas a Europa. Na última década, os Estados Unidos também experimentaram uma bolha enorme no setor imobiliário, alimentada por recursos estrangeiros e seguida por uma desagradável ressaca após o estouro da bolha. Os danos foram atenuados devido ao fato de nós termos tomado empréstimos em nossa própria moeda - mas ainda hoje estamos vivendo nossa pior crise desde os anos 1930.

E agora? Eu não espero que ocorra uma rejeição súbita e generalizada à ideia de que o dinheiro deve ser livre para ir aonde quiser, sempre que quiser. No entanto, pode muito bem estar ocorrendo um processo de erosão, à medida que os governos intervêm para limitar ritmo com que o dinheiro entra e a taxa com que ele sai. O capitalismo global está, sem dúvida, prestes a se tornar substancialmente menos global.

E isso é OK. Os velhos e duros tempos, quando não era tão fácil movimentar grandes quantias de dinheiro através das fronteiras nacionais, estão parecendo muito bons.
Tradutor: Cláudia Gonçalves